Cremerj proíbe a participação de acompanhantes
profissionais em maternidades e causa revolta.
O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro
publicou na última quinta-feira (19) uma resolução que proíbe mulheres de
contarem com a assistência de obstetrizes, doulas e parteiras em hospitais
maternidades, assim como, outra resolução que proíbe e pune médicos-obstetras
que acompanhem partos domiciliares, ou ainda, aqueles que deem retaguarda para
parturientes com necessidade de remoção de parto em casa para o hospital.
Organizações Não-Governamentais, representantes de
movimentos sociais e mulheres de todo o Brasil estão se manifestando em repúdio
às resoluções através das redes sociais. No próximo domingo (22), elas planejam
realizar um piquete em frente à sede do Cremerj, localizado na zona sul do Rio
de Janeiro.
As mulheres consideram que a decisão do Conselho
contraria evidências científicas que comprovam a melhoria da qualidade da
experiência do parto e a redução de intervenções médicas desnecessárias quando
um parto é assistido por esses profissionais, que são qualificados para atuar
nesse sentido. Já é conhecida e divulgada a importância das doulas e
obstetrizes em um modelo de assistência obstétrica humanizado e centrado na
mulher. As resoluções, inclusive, vão contra diretrizes do próprio Ministério
da Saúde, que tem trabalhado nos últimos anos dentro da Política Nacional de
Humanização da Saúde.
Para elas, as resoluções entram em contradição com o
próprio Código de Ética Médica, que fala do respeito à autonomia. “Capítulo I,
inciso XXI – No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com
seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as
escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e
terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente
reconhecidas”.
As mulheres classificam a decisão do Cremerj como
arbitrária. Em um país que alcança a primeira colocação mundial em realização
de cesarianas, no qual as taxas desse tipo de cirurgia chegam a 52%, superando
os 80% em hospitais privados e em alguns chegando a ultrapassar os 90%, essas
resoluções podem ser consideradas como um retrocesso, ou, no mínimo,
tendenciosas, por contribuírem para continuar perpetuando um modelo violento,
que tira o poder e o direito de escolha da mulher, violando assim, seus
direitos reprodutivos. Infração ética muito maior são as chamadas cesáreas
eletivas sem indicação médica, realizadas sob pretextos não respaldados pela
literatura.
Diversos estudos demonstram que as consideradas
altíssimas taxas de cesáreas em hospitais brasileiros não ocorrem a pedido das
mulheres, uma vez que a maior parte delas continua demonstrando preferência por
parto normal, sendo conduzidas no decorrer da gestação a mudarem de opinião
pelos próprios obstetras.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro já foi
acionada e está investigando o caso através dos Núcleos de Direitos Humanos e
de Defesa dos Direitos das Mulheres. Além disso, uma carta está sendo
encaminhada ao Ministério da Saúde, à Secretaria de Direitos Humanos e ao
Conselho Federal de Medicina cobrando um posicionamento em relação à decisão.
Acompanhantes profissionais e evidências científicas
A participação de obstetrizes (profissionais formadas em
curso superior de Obstetrícia) não somente integra o modelo transdisciplinar de
assistência ao parto, como tem demonstrado resultados até superiores ao
esperado. De acordo com a Biblioteca Cochrane, uma espécie de coleção de fontes
de informação de evidências em atenção à saúde, em uma assistência promovida
por obstetrizes, as mulheres têm menor risco de hospitalização antenatal, de
analgesia regional e de parto instrumental. Ou seja: têm maiores chances de
partos sem anestesia e parto vaginal espontâneo, além de maior sensação de
controle durante o nascimento do bebê e mais facilidade para dar início ao
aleitamento materno.
Em relação às doulas (acompanhantes profissionais de
parto, responsáveis pelo conforto físico e emocional da parturiente durante o
pré-parto, nascimento e pós-parto), 21 ensaios clínicos com mais de 15 mil
mulheres mostraram que aquelas que receberam esse tipo de suporte tiveram menor
risco de relatar insatisfação com a experiência do parto, menor duração do
trabalho de parto, menor risco de cesariana, entre outras vantagens.